Por que não em Cajazeiras?


Enquanto fazia testes mil para tentar por esta página no ar - espero que tudo dê certo -, acompanhava o (insosso) anúncio, por parte da Fifa, das cidades que, supostamente, receberão jogos da Copa do Mundo do Brasil, em 2014. Digo supostamente porque elas ainda correm riscos, caso não consigam seguir o cronograma apresentado aos gloriosos inspetores da chamada "entidade máxima do futebol mundial". No mais, como diriam os contemporâneos de meu pai, tudo "pule de dez". Quase jogo de cartas marcadas. Rio, São Paulo, BH, Brasília, Porto Alegre, Curitiba, Manaus, Cuiabá, Natal, Fortaleza, Recife e Salvador fizeram seu papel e - digamos - estão de parabéns pela conquista. Se fosse eu a escolher, tiraria uma das quatro capitais nordestinas e promoveria mais uma no eixo Norte-Centro-Oeste. Talvez Belém merecesse mais que Natal, sei lá. Como a escolha não passa por mim, porém...

Como o objetivo principal deste espaço é não mais que mostrar e discutir a Bahia (reparou o nome?), talvez dentro de um contexto um pouco maior que o usual, centro-me na "eleição" de Salvador. E se por um lado corro o risco de parecer ainda mais "ranzina" e "do contra", como dizem (acusam?) meus mais próximos amigos - que não à toa não lotam nem um Fiat Uno -, por outro não tenho opção. No papel de quem torce para que boas coisas aconteçam à boa-terra, não posso deixar de lamentar a chance que, cinco anos antes do início do evento esportivo, a cidade vai desperdiçar.

O lamento, antes que meus críticos, amigos ou não, comecem a espernear, tem razão de ser. Vejamos uma comparação simples, com o Recife. Leio no Estadão de hoje que a capital pernambucana vai investir R$ 16 bilhões na construção de uma "cidade da Copa", com um belo estádio inserido em uma nova área de urbanização, com acesso a metrô, com novas estradas e com uma área com capacidade para receber 9 mil (?!?) empreendimentos imobiliários. E o que Salvador fez? Mandou ver um plano de R$ 2 bilhões para reerguer a Fonte Nova - que é um belíssimo estádio, sem dúvida - e para fazer alguns "remendos" no sistema viário da cidade.

Os saudosistas vão argumentar, com alguma razão, que a Fonte Nova e seu entorno - um abandonado conjunto de casas e prédios históricos - mereciam ser reformados. Justíssimo que sejam investidos os R$ 2 bilhões para isso, se for o caso. Minha questão é: por que raios, além do projeto de restauração do tradicional estádio baiano, não se pensou em um novo eixo de desenvolvimento urbano para Salvador? Algo que custasse uns R$ 10 bilhões, por exemplo, e detonasse uma revolução em alguma das chamadas áreas periféricas da cidade... Somando os dois investimentos, seria menos do que Recife está investindo.

Para defender as áreas periféricas, preciso contar um pouco sobre a configuração atual de Salvador. A capital baiana, por sua incomum formatação geográfica, tem algumas particularidades que fazem dela ser praticamente fadada à desorganização urbana. A cidade está instalada em uma península, em forma pronunciada de "V". Para que você se localize: no vértice, está o Farol da Barra. Na "perna à direita", por assim dizer, banhada diretamente pelo Oceano Atlântico, vêm, de baixo para cima, Barra, Ondina, Rio Vermelho, Amaralina, Brotas, Pituba, Caminho das Árvores, Itaigara, etc, até Itapuã, Stella Maris e Flamengo. Esses bairros são habitados, basicamente, por famílias de classe média e média-alta da cidade.

Na "perna à esquerda", banhada pela Baía de Todos os Santos, vêm Vitória, Canela, Comércio, Cidade Baixa, Cidade Alta, Pelourinho, Fonte Nova, Centro, Bonfim, Ribeira, etc, até Inema - aquela praia na qual o presidente (ele mesmo) adora se exibir de sunga, todo verão. Grosso modo, vivem nesses bairros pessoas de classe média e média-baixa da cidade. As duas "pernas" do "V" somam 100 quilômetros de orla, a mais extensa do País.

Pois bem: fica no miolo dessas duas "pernas" do "V" o que se convenciona chamar de periferia em Salvador, que concentra pouco mais da metade da população de quase 3 milhões de pessoas da capital baiana. Ficam ali os bairros que quem não conhece a cidade certamente nunca ouviu falar. O mais interessante deles, sem dúvida, é Cajazeiras.

Cajazeiras, na verdade, é um conjunto de bairros grafados em algarismos romanos (Cajazeiras I, III, V, IX, XI, etc) inaugurado com toda a pompa, nos anos 1970, como a solução para a moradia popular na cidade. Era para ser o maior conjunto de casas populares do Brasil, com capacidade para abrigar 150 mil pessoas. Por causa da falta de planejamento e de administração pública decente, virou uma gigantesca favela, como 99% dos projetos do gênero no País. Abriga meio milhão de pessoas, que em comum têm imóveis depredados e uma enorme dificuldade de acesso às benesses oferecidas pela vida moderna. Das mais simples, como parques e agências bancárias, às mais complexas, como um sistema viário suficientemente decente para que os habitantes consigam chegar a suas casas sem ter de subir ou descer barrancos sem pavimentação.

Será que alguém pelo menos parou para pensar no impacto que um centro esportivo de excelência, cercado por áreas arborizadas, hotéis, shopping center, amplas avenidas, metrô e prédios comerciais e residenciais poderia causar na região? Será que R$ 10 bilhões seriam suficientes para iniciar uma revolução na área? Como as escolhas não passam por mim... Por você passaram?




O projeto da nova Fonte Nova



Cajazeiras: prédios iniciais cercados pela favela