
Semana cheia de polêmica na Bahia. E olha que nem falei sobre a decisão unânime dos deputados estaduais de manter os próprios salários, no caso dos que são servidores públicos concursados – 25 de 63 –, depois de deixarem a assembleia. (
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Prefiro falar sobre o bom-e-velho carnaval de Salvador. Que, aliás, foi agraciado com uma novidade bombástica: o mais tradicional circuito da festa (chamado de Avenida, Campo Grande ou Osmar), aquele que sai do Campo Grande, vai até a Praça Castro Alves pela Avenida Sete de Setembro e volta ao Campo Grande pela Rua Carlos Gomes, acaba de ser alterado. Ou, mais bem dito, amputado. Pela metade.
O projeto do Conselho Municipal de Carnaval, aprovado na terça-feira (16), é de uma simplicidade que impressiona. Para revitalizar a folia na Avenida – que vinha mesmo perdendo foliões, aos milhares, para o Circuito Barra-Ondina (também chamado de Dodô), tiraram metade do trajeto. Fica cancelada a volta ao Campo Grande. O desfile dos trios vai até a Praça Castro Alves e pronto.
O resto dos alegados 8 quilômetros (não são, eu diria que são uns 6, mas uma hora checo isso com o carro) morreu. E não é que a decisão, apesar de polêmica, faz algum sentido?
Por partes. A Avenida, de fato, estava desconfortável para todo mundo (foliões, artistas, comerciantes, etc). Com o crescimento da festa, em especial nos últimos 15 anos, os blocos de trio multiplicaram-se como Gremlins malvados na água (lembra, né?). Os foliões, idem – acho que nem seria preciso dizer. Os próprios trios também cresceram muito, em tamanho e em potência de som. E a Carlos Gomes, uma rua antiga, estreita para uma festa de tal tamanho, realmente não dava conta de receber tanta gente. O resultado, para quem estava tentando curtir o carnaval, era um empurra-empurra de horas a fio, revestido por um som distorcido, abafado e ecoado pelos prédios.
Isso sem falar dos problemas estruturais e comerciais. Na questão da logística, os desfiles tinham dois “gargalos”. Um era o Largo do Campo Grande, local onde começavam e terminavam os desfiles – onde havia, claro, uma natural confusão. Outro era a esquina entre a Carlos Gomes e a Avenida Sete, onde fica a Casa d’Itália, ponto no qual os trios se encontravam. Às vezes, as bandas resolviam “conversar”, tocar juntas e tal, e o resultado eram enormes congestionamentos de caminhões de som pela Carlos Gomes.
Na questão comercial da chamada indústria do carnaval, a rua era um caso perdido. Os prédios enfileirados impedem, obviamente, a construção de camarotes e outros equipamentos alternativos à folia. Além disso, não havia meios de as emissoras de TV transmitirem daquele trecho da festa – segundo o projeto, elas passam a ficar na Praça Castro Alves. E, como é sabido, a divulgação virou parte integrante dos desfiles (ou alguém acha que os patrocinadores colocam suas marcas nos trios por serem legítimos incentivadores da alegria dos foliões?).
Nesses pontos, o Circuito Barra-Ondina era imbatível. Mais curto (dizem que tem 4 quilômetros, mas aposto que não tem mais que 3), cheio de espaços para camarotes e emissoras, sem confusões entre trios, com o mar ao lado e várias vias, paralelas e perpendiculares, para a circulação de pessoas – outro problema da Avenida – o Dodô passou a ser prato cheio para investidores e patrocinadores e acabou atraindo a nata da festa.
Conversei com alguns foliões a respeito da mudança na Avenida. Todos – todos, mesmo – tiveram a preocupação inicial com o preço dos abadás. Raciocínio lógico puro e simples: se os desfiles ficam mais curtos e rápidos (a previsão é que durem quatro horas, em vez das seis ou sete de antes), seria natural que os valores das camisetas-ingressos fossem diminuídos. Já aviso: no geral, não serão. “Não vendemos carnaval por quilômetro rodado”, disse-me um conselheiro.
A alteração do circuito faz sentido, mas não deixo de lamentar um pouco. A Carlos Gomes era o local que mais rendia “histórias para contar” da folia. Quem já pulou ali – eu mesmo passei pela experiência algumas vezes, muito antes de me mudar para Salvador – sabe. A unha do dedão do pé perdida, a sola do tênis descolada, o celular furtado, a bebedeira, os beijos em linha de produção... Tudo naquele trecho.
Os encontros de trios na Casa d’Itália também ficaram famosos. Ainda lembro, por exemplo, do encontro entre dois blocos para lá de tradicionais, o Internacionais, então pilotado pelo Asa de Águia, e o Eva, no ano de despedida da então vocalista Ivete Sangalo, que partia para carreira solo (1999, acho). A multidão, incontrolável, correu para o meio dos trios, praticamente misturando as cordas. E as duas bandas, juntas, passaram quase uma hora tocando para a galera enlouquecida.
Era na Carlos Gomes, também, que os mais experientes na folia tentavam “faturar alto”, no sentido carnavalesco, por assim dizer. Sem a presença das câmeras de TV e da imprensa, as “celebridades” convidadas aproveitavam aquele trecho para descer dos trios e curtir o carnaval exatamente como qualquer mortal (ou seja, pulando e beijando). Vi várias e vários “se dando bem” ali. Acho que essa época acabou...